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“A Crise que Solidifica o MERCOSUL”
Por Thomas A. O’Keefe e Lauro Locks Neto, 4 de abril de 1999.
Desde a maxi-desvalorização do Real, em meados de janeiro de 1999, a imprensa americana tem produzido previsões deveras sinistras sobre o futuro do MERCOSUL, a união aduaneira entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, que tem o Chile e a Bolivia como membros associados.
Essas análises alarmistas, contudo, ignoram vários fatos importantes que, na verdade, solidificam o MERCOSUL, o terceiro maior bloco comercial do mundo, a pesar de que não da maneira que puristas do livre-mercado e exportadores americanos desejariam.
Um dos argumentos alarmistas é o de que o MERCOSUL estaria a beira do colapso devido à posição protecionista da Argentina, a qual pretenderia impor barreiras alfandegárias para impedir uma eventual invasão de produtos baratos brasileiros naquele país.
Muitos desses produtos manufacturados são dependentes de insumos importados pelo Brasil, que se tornaram mais caros com a maxi-desvalorização do Real, afetando o preço dos produtos exportados pelo país que, por conseqüência, não teriam um ganho de competitividade tão significativo.
Sendo assim, as predições de uma onda de importações de produtos baratos brasileiros dificilmente se materializará por essa razão.
Os críticos americanos também deixam de observar que as ameaças alfandegárias referidas pela Argentina não passam, muitas vezes, de mera retórica, cujo verdadeiro objetivo é forçar o Brasil a fazer concessões em outras áreas que há muito são reclamadas pelos produtores argentinos.
Ao que parece, essas ameaças estão surtindo efeito, pois há notícias de que Brasilia está estudando maneiras de eliminar alguns programas de subsídios à exportação de produtos brasileiros para os países do bloco.
Ademais, esta não foi a primeira vez nesta década em que os Argentinos tiveram que enfrentar a moeda brasileira, a qual já havia sido significativamente desvalorizada em relação ao Peso, que tem estado vinculado ao Dólar americano na proporção de um-por-um, desde 1991.
Esse mesmo cenário ocorreu entre os anos de 1992 e 1994. A pesar de que a Argentina teve un déficit comercial com o Brasil durante esses três anos, nesse mesmo período, o montante total das exportações para o Brasil, na verdade, cresceu em média 31% por ano.
Fazendo parte de um tratado comercial inserido no sistema da ALADI--Associação Latino Americana de Livre Comércio--, os paises do MERCOSUL têm total acesso à câmara de compensação deste organismo.
Este mecanismo possibilita que negócios comerciais entre todos os países de língua espanhola da América do Sul, Brasil, México e à República Dominicana, passem pelo Banco Central do Peru, em Lima, sem que seja necessário fazer pagamento imediato em moeda forte.
Somente ao final de cada trimestre seriam as contas nacionais (national accounts) fechadas, sendo necessário o pagamento em moeda forte para cancelar os débitos pendentes. Os comerciantes verdadeiramente envolvidos nestas transações ou poderiam pagar por suas compras ou poderiam receber pagamentos pelas vendas nas suas respectivas moedas nacionais.
Esta câmara de compensação da ALADI não apenas garantiria que o Brasil iria favorecer as compras dos seus parceiros do MERCOSUL, mas também encorajaria acordos comercias administrados.
Esta última crise econômica no Brasil está a indicar que há necessidade de existir maior coordenação da política macroeconômica entre os paises-membros do MERCOSUL, algo que, em verdade, se vem aspirando desde a fundação deste bloco em 1991.
A desvalorização do Real tem, entretanto, reforçado a idéia de se institucionalizar um mecanismo formal através do qual ministros da parte econômica dos paises do MERCOSUL possam avaliar os desenvolvimentos macroeconômicos uns dos outros.
Um aspecto crucial sobre o MERCOSUL que é freqüentemente ignorado é sua dimensão política. A íntima interdependência desencadeada pelo MERCOSUL provocou o fim de séculos de desconfiança mútua e de hostilidade entre o Brasil e os demais vizinhos de língua espanhola do Cone Sul da América Latina.
Essa reconciliação tem possibilitado aos governos cortar gastos militares com defesa e redirecionar parte desta economia para as necessidades mais prementes como, por exemplo, a melhoria dos sistemas educacional e de transportes.
O MERCOSUL tem também conferido ao seus estados membros maior influência nos fóruns internacionais bem como nas negociações comercias multilaterais. Conseqüentemente, em termos políticos, muita coisa está em jogo para que se deixe este projeto simplesmente definhar.
Sem dúvidas, o atual infortúnio econômico brasileiro afetará significativamente a alguns exportadores dos outros três sócios do MERCOSUL. Aliás, já há especulação de que as montadoras automobilísticas e a indústria de auto-peças com presença tanto na Argentina quanto no Brasil estariam pensando em transferir inteiramente sua produção para suas fábricas brasileiras em razão, justamente, das vantagens monetárias que esta mudança acarretaria.
Essas mudanças, contudo, são apenas de curto prazo, e não alteram as perspectivas de longo prazo projetadas para a região, como e de um significativo aumento de eficiência e de elevada expansão do mercado comum.
Da mesma forma como a desvalorização do Peso mexicano em 1994 não causou o colapso do NAFTA — Tratado Norte-Americano de Livre Comércio — também a maxi-desvalorização do Real não vai redundar na desintegração do MERCOSUL.
Sobre os autores:
Thomas Andrew O’Keefe, cidadão americano e chileno, é advogado e presidente do Mercosur Consulting Group, Ltd., uma empresa de consultoria legal e econômica baseada em Washington, D.C.. É autor do livro “Latin American Trade Agreements.”Lauro Locks Neto é advogado pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e mestrando na The Fletcher School of Law and Diplomacy, Tufts University, USA.